Túnel de mina desaba e mata trabalhador da Vale – Mina do Pico em Itabirito

O corpo de um funcionário foi retirado já sem vida entre os escombros; outro trabalhador teria se salvado por pouco do acidente

Um operário morreu e outro se feriu levemente após o desabamento de um túnel na Mina do Pico, em Itabirito, na região Central do Estado. A mina é propriedade da Vale e, segundo o Corpo de Bombeiros, estava em obras. Os trabalhadores estavam fazendo o aterramento de um túnel que passa pela região quando houve um deslizamento de terra e um deles ficou soterrado nos escombros.

Ainda segundo os bombeiros, militares de Itabirito, Ouro Preto e Belo Horizonte foram acionados para atender a ocorrência. Por volta das 18h, a corporação confirmou a retirada de um funcionário já sem vida do local. Os trabalhos continuaram no local para a verificação de outra possível vítima soterrada.

Conforme um funcionário da mina, que não quis ser identificado, um outro trabalhador teria percebido o desabamento e segurou em uma estrutura de concreto, o que teria evitado a sua morte. Segundo os bombeiros, ele não precisou de cuidados médicos.

Segundo o sargento Moises Dias Paulo, do batalhão do Corpo de Bombeiros de Ouro Preto, na mesma região, esse tipo de acidente acontece normalmente por imprudência, imperícia ou negligência.

“Pela minha experiência, esses são os motivos que levam a esses desabamentos, mas ainda não é possível determinar o que, de fato, aconteceu”, revela o militar. 

Sargento Moises Dias Paulo, do batalhão do Corpo de Bombeiros de Ouro Preto

O acidente aconteceu por volta de 9h e os bombeiros começaram as buscas cerca de uma hora depois. Foram mais de oito horas de buscas e, somente no início da noite foi possível chegar ao ponto indicado pelas testemunhas. Ainda de acordo com o sargento Paulo, os dois operários eram terceirizados e estavam ali trabalhando apenas na obra, sem ligação com a mina.

“Observei que todos estavam usando os Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Não há como entrar no local sem esses equipamentos”

Sargento Moises Dias Paulo

Uma outra testemunha que estava nas proximidades e presenciou o acidente comentou que a vítima fatal era operário de máquinas e que tinha pouco mais de vinte anos. Até o fechamento desta edição, os bombeiros não haviam identificado as vítimas e aguardavam o fim da operação para maiores informações.

A reportagem de O TEMPO entrou em contato com a assessoria de imprensa da Vale, que afirmou que iria se pronunciar por meio de nota, mas até o momento nenhuma informação a respeito havia sido enviada. Eles apenas confirmaram que os dois homens estavam trabalhando para a empresa.

A perícia da Polícia Civil esteve no local. O acidente ainda será apurado. Além disso, uma equipe de brigadistas e outros funcionários da Vale também acompanhou todo o processo. O túnel que estava sendo construído tem aproximadamente sete metros de diâmetro.

Estado de choque

Retirado horas após o desmoronamento da mina, o trabalhador que sobreviveu ao acidente estava em estado de choque e não conseguiu passar informações sobre a causa para o Corpo de Bombeiros. Vinte e dois bombeiros participaram da operação de resgate.

Os militares tiveram apoio de cinco viaturas e do helicóptero de resgate dos bombeiros. Mesmo com todo o aparato, de acordo com o sargento Moisés Dias Paulo, do batalhão de Ouro Preto, a grande quantidade de terra no local atrapalhou a retirada da vítima soterrada.

De acordo com o Corpo de Bombeiros, o operário morto foi coberto por pelo menos 3 metros de terra e escombros, o que dificultou o acesso. Foram feitas escavações durante toda a tarde, e apenas no início da noite foi possível ver indícios de que havia uma pessoa no local.

Fonte: O TEMPO

Autoria: Bruna Carmona/José Vítor Camilo / Bernardo Almeida / Bárbara Ferreira

Auditores Fiscais responsabilizam a VALE – Mina do Pico por trabalho análogo ao escravo!

A empresa Vale, maior produtora de minério de ferro do mundo, está presente em cinco continentes e é a maior exportadora do Brasil.

Apesar do vigor internacional, a Vale economizou na faxina do banheiro dos funcionários responsáveis pela retirada do minério de ferro em Minas Gerais. O ar empesteado e as fezes espalhadas no chão foram apenas o primeiro sinal, quando a equipe do Ministério do Trabalho e Emprego começou a fiscalização, de que eram graves os problemas trabalhistas na Mina do Pico.

Ao final do primeiro dia de inspeção, o canteiro foi interditado e a Vale responsabilizada por submeter 309 pessoas ao trabalho análogo ao de escravo.

Além do ambiente “repugnante”, nas palavras dos auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais, os trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas, condições degradantes e foram vítimas de fraude, promessa enganosa e ameaça. A inspeção, que teve início no dia 2 de fevereiro, autuou a empresa por 32 infrações trabalhistas.

As vítimas eram motoristas que levavam o minério de ferro pela estrada particular da Vale que liga duas minas em Itabirito. Embora fossem empregados por uma empresa subcontratada, a Ouro Verde, os auditores consideraram a terceirização como ilícita e responsabilizaram a Vale.

Procurada pela reportagem, a mineradora encaminhou nota apresentando a Ouro Verde como única responsável pelas infrações:

“A Vale informa que a empresa contratada, Ouro Verde, teve seu canteiro de obras inspecionado pelo Ministério do Trabalho, quando foram definidas adequações no local necessárias e relacionadas à legislação de saúde e segurança. A contratada foi formal e imediatamente notificada pela Vale a providenciar essas adequações”

(leia a nota na íntegra).

Mas os órgãos fiscalizadores têm uma visão diferente:

“A Vale sabia de tudo e deixou correr solto. Temos um relatório em que eles detectam e registram mais de 30 inconformidades nessa terceirizada”

Auditor fiscal Marcelo Campos, coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo em Minas Gerais e responsável pela ação.

“A Vale é a responsável por esses motoristas, não há dúvida disso”

Procuradora Adriana Augusta de Moura Souza

A procuradora Adriana Augusta de Moura Souza,  abriu um inquérito no Ministério Público do Trabalho para investigar a caracterização de trabalho escravo. Ela lembra que, em 2013, uma sentença judicial já proibia a Vale de terceirizar os motoristas internos.

“A sentença é clara, o juiz cita expressamente a questão do transporte como atividade que não pode ser terceirizada”

Procuradora Adriana Augusta de Moura Souza

Diz a procuradora. Além desse, há diversos outros casos em que a justiça vedou a terceirização.

A Vale contesta essa sentença e se recusa em assumir a contratação dos trabalhadores. A multa acumulada pela “desobediência” está em R$ 7 milhões – equivalente a menos de 1% do lucro da empresa em 2014.

Apesar da dor de cabeça com a justiça, essa ainda parece ser a solução que apresenta o melhor negócio para a empresa. Segundo levantamento da procuradora do MPT, mais de 50% das atividades realizadas dentro do complexo minerário da Vale são terceirizadas, da implosão de rochas ao transporte. Quanto mais a empresa terceiriza, observa a procuradora, piores são as condições ofertadas aos trabalhadores.

Jornada exaustiva, sem água e sem banheiro

Devido ao estado de calamidade instalado no banheiro da Mina do Pico, os motoristas eram obrigados a fazer suas necessidades na estrada e não podiam tomar banho ou trocar de roupa ao fim do expediente. Voltavam para casa com roupa e pele sujas.

Tudo no ponto de parada estava tão sujo que ninguém tinha coragem de beber do bebedouro, que ficava logo ao lado do banheiro empesteado, lembra um motorista com mais de 30 anos de experiência que falou com a reportagem sob a condição de anonimato.

“Até água pra beber tinha que levar de casa. Fazia mais de 20 anos que não via serviço ruim assim. Foi o pior da minha vida.”

Ele lembra que era obrigado a fazer horas extras.

“A gente fica com sono, é perigoso”

A jornada exaustiva, em que a pessoa trabalha tanto e de forma tão intensa, que coloca em risco sua saúde, segurança e vida, foi caracterizada depois que os auditores contaram 2.777 turnos que excediam os limites permitidos.

Em um caso, um motorista dirigiu por 23 horas com apenas um intervalo de 40 minutos. Outro trabalhou do dia 14 de dezembro a 11 de janeiro sem nenhum dia livre – nem mesmo o natal ou o primeiro de janeiro.

“Foram muitos os casos de não concessão das horas de repouso entre os turnos, isso tipifica o artigo 149 do Código Penal, que é reduzir alguém a condição análoga à de escravo”

Aloísio Alves – Procurador do MPT

Aloísio Alves recebeu denúncias sobre jornada excessiva na Ouro Verde e acompanhou os primeiros dias da fiscalização.

Promessas enganosas e ameaças

A supressão do tempo de descanso era incentivada pela empresa por meio de campanhas que ofereciam prêmios pelo aumento da produtividade, o que é proibido em atividades que envolvem risco. Nos depoimentos aos auditores, motoristas revelam que substituíram o almoço por bolachas e que passaram a dirigir na velocidade máxima permitida. Eles citam acidentes que teriam acontecido depois que a campanha teve início.

“A gente começou a ver mais ultrapassagem perigosa. É caminhão pesando 100 toneladas ultrapassando caminhão de 30 metros de comprimento”

Tudo isso para receber um acréscimo de R$ 200 a 300 no vale refeição e para entrar no sorteio de uma moto e um aparelho de TV. Premiação que, aliás, nunca veio. Quando perceberam que a recompensa pelo esforço extra não fora depositada, alguns motoristas começaram a reclamar. Alguns pararam de trabalhar em sinal de protesto.

Foi então que as ameaças teriam começado. Segundo depoimentos registrados pelos auditores, o responsável pelos motoristas na Ouro Verde teria rasgado o papel onde o prêmio estava anunciado e agredido verbalmente os trabalhadores, humilhando e ameaçando de demissão quem reclamasse. De fato, quando os auditores chegaram à mineradora, os funcionários que reclamaram estavam sendo demitidos.

O custo do trabalho escravo

A mina ficou interditada por três dias, o tempo necessário para que a empresa tomasse as medidas de correção: lavaram e pintaram o local de descanso, concertaram o banheiro, instalaram chuveiros e se comprometeram a respeitar a carga horária dos funcionários.

“Isso demonstra que manter os trabalhadores em dignidade não era algo difícil para a empresa. Ao que parece, a Vale apenas não queria ter esse custo”

Auditor fiscal Marcelo Campos

Apesar de uma extensa ficha de problemas trabalhistas e impactos socioambientais, essa é a primeira vez que a Vale é responsabilizada pela exploração de mão de obra análoga à de escravo. A empresa é signatária do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, afirma possuir uma política de monitoramento de seus negócios e ter excluído de sua cadeia de fornecedores usinas de ferro gusa que se utilizaram desse crime.

Apesar dos questionamentos da reportagem, a Vale não respondeu se a mesma regra se aplica à terceirizada que foi flagrada ao cometer o crime dentro da mineradora.

Fonte: Repórter Brasil

Publicado no site da ANAMT

Link: http://www.anamt.org.br/site/noticias_detalhes.aspx?notid=3076